28.4.08

PRICK UP YOUR EARS

Desde que assisti ao filme Prick up your ears (1987), do Stephen Frears, vira e mexe repito o título na tradução brasileira: O amor não tem sexo. Ou, na tradução de Arrigo Barnabé, "eu não gosto de homem, eu não gosto de mulher: eu gosto é de você".

As polêmicas sobre sexualidade não têm fim. Mas minha modesta contribuição segue aqui.
Recebi por email e não resisti.

25.4.08


VOZ & VIDA MISCIGENADAS

Desde a Poética de Aristóteles sabemos que a arte verbal resulta de uma combinação verossímil de frases, mitos, música, formas teatrais, tipos de discurso, etc. Assim, Aristóteles pode ser chamado de primeiro grande empirista na compreensão de poesia, ao indicar a "mistura".

A mistura, ou miscigenação, está presente também na canção popular que, se aparentemente nasceu para o ouvido, aparece cada vez mais como um espetáculo visual - a evidente crise da indústria fonográfica reforça ainda mais essa realidade.

Claro que no mundo pop há espetáculos que parecem impedir a reflexão do ouvido. Em lugar de despertar, anestesiam os sentidos do espectador e neutralizam sua sensibilidade para a percepção e o conhecimento.

Porém, no show Inclassificáveis, de Ney Matogrosso, a palavra cantada e a performance do cantor provocam: dão o que pensar. Cada canção escolhida e vocalizada com minuciosa precisão é um desafio. A multiplicidade de vozes no repertório selecionado vai formando camadas de sentidos que emocionam e inquietam.

A excelência dos músicos e a forma como a participação deles compõe a cena do show também provoca. A parceria se dá por diálogo, sem fetichização. Carlinhos Noronha (baixo), Junior Meirelles (guitarra/violão), Sérgio Machado (bateria) e Emilio Carrera (teclado) estão integrados no palco e são dirigidos por Ney com eficiência.

Mas o que mais importa na montagem desse espetáculo é a maneira como o artista mostra seu corpo. Ney, de novo, canta, dança, olha e interpreta cada palavra. O figurino de Ocimar Versolato traduz as muitas peles do cantor e os diversos ornamentos são signos de sedução: um excesso que põe em evidência a força da beleza de diferentes culturas. A mistura reina.

Somos transportados por Ney Matogrosso ao mundo inclassificável da arte miscigenada. Contrariando a preocupação daqueles que vêem problema na miscigenação, o show de Ney Matogrosso é um ato político-poético em favor da força da vida que resiste ao preconceito.

P.S: Click aqui para ver algumas falas de Ney sobre seu show.



20.4.08

OVÍDIO, em tradução de RAIMUNDO CARVALHO


Tristes, I, 7

Sétima elegia


Se guardas em efígie um rosto igual ao meu,

..Tira da minha fronte a hera báquica.

Este signo convém a poetas felizes:

..Coroa não condiz com os meus tempos.

Percebe, mas oculta as coisas que te digo,

..Amigo que me leva e traz ao dedo;

E abraçando-me, efígie em ouro refulgente,

..Imagina o meu rosto de exilado.

Toda vez que a olhares, te ocorra dizer:

..“Tão longe está de nós o caro Ovídio!”

Sou grato a teu afeto, mas meus versos são

..Minha melhor imagem, seja o que for, lê-los,

Versos cantando as formas mudadas dos homens,

..Obra inconclusa de um autor em fuga.

Esta, partindo triste, arremessei ao fogo,

..Com outros versos, com as próprias mãos;

E como contam que a Testíade, melhor

..Irmã que mãe, queimou tição e filho,

Arrojei à voraz pira os meus filhos-livros;

..Não mereciam perecer comigo,

Seja por ódio às musas, causa de meus crimes,

..Ou pelos versos inda sem retoque.

Já que de todo não sumiram, mas subsistem,

..(Postos em muitos exemplares, penso),

Agora rogo: vivam e deleitem quem

..No ativo ócio os lê, de mim lembrando-se.

Porém não poderão ser lidos com paciência,

..Se não souber que lhes faltou demão;

A obra foi tirada ainda na bigorna;

..De uma última lima carecia;

Favor te peço, e não louvor, que bem louvado

..Serei, leitor, se não me desprezares.

Estes seis versos, o primeiro livro, encimem,

..Se julgares que ali devem ser postos:

“Quem quer que toque estes volumes sem pai,

..Ao menos lhes abrigue na cidade,

Concede mais! Não pôde editá-los o autor,

..Deles arrebatado em quase morte,

Todo vício que houvesse, então, em tosco verso,

..Emendaria, se me fosse lícito”.


metamorfoses

13.4.08

UM ANO ENTRE OS HUMANOS na GAZETA DE ALAGOAS


Poesia, liberdade, alegria.

por Gláucia Machado e Marcelo Marques

Um ano entre os humanos é o nome da performance apresentada em dezembro de 2007, no palco do Teatro Jofre Soares, no SESC - Centro de Maceió, pelo poeta mineiro Ricardo Aleixo. Como parte de sua apresentação, o poeta usou um pequeno gravador de bolso aproximado ao microfone, do qual liberava, interrompia, retrocedia e disparava a reprodução de um texto dito e gravado por ele. Ao mesmo tempo, aquele texto era falado ali, em sua viva voz, num jogo de sobreposição de vozes que dificultava e reforçava o entendimento do que era falado. Com esse procedimento, Ricardo Aleixo quebra a distância entre playback e voz presente e atualiza práticas e preocupações artísticas das mais relevantes nas artes contemporâneas.

De fato, durante toda sua performance, o poeta nos apresenta um diálogo entre o seu corpo e as técnicas da escrita. Inicialmente ele aparece coberto por um manto negro grafado com letras brancas (o “poemanto”), e faz as palavras moverem-se consigo. Assim ele nos mostra uma espécie de dança das letras, que ganham vida naquele ritual estranho. Quase uma hora depois, o encerramento da sua performance é um oriki: “tudo começa e acaba na cabeça”, cantado à capela, com sua voz impressionante. No conjunto de seu espetáculo, Ricardo Aleixo nos oferece uma paleta surpreendente e vária das possibilidades de dizer e fazer poesia.

A performance do poeta nos faz pensar em nossa estreita relação com os meios tecnológicos. Basta observar alguns materiais usados em sua performance: microfones; televisor exibindo palavras em movimento; projetor que lança ao fundo do palco imagens captadas e editadas pelo poeta; poemanto; gravador; mesa, cadeira; alguns livros e um laptop, responsável pela reprodução de alguns dos sons que ouvimos. Esses materiais, pela sua diversidade, já indicam um caminho pouco convencional de apresentar a poesia. No entanto, os elementos primordiais desse espetáculo não são os softwares de áudio nem os projetores de vídeo, mas sim o próprio corpo do poeta e sua maneira de se relacionar com os outros elementos no palco.

Desde a improvisação que guia certos movimentos (a escolha, neste ou naquele livro, deste ou daquele poema) até o controle cuidadoso com a intensidade das pronúncias, o corpo do poeta constitui o principal gerador de significações. Esse dado torna-se mais relevante à medida que percebemos o alto grau de intimidade que um trabalho como esse estabelece com o acaso, com a indeterminação, com a idéia de acontecimento entendido como “instante-já” , que não se repete.

Um ano entre os humanos parece ter, sim, um roteiro, pontos mais ou menos definidos percorridos pelo artista para manter uma concepção de forma e de coerência. Mas a principal direção desse roteiro é a opção do poeta pelo risco, que ele demonstra fazer com muita alegria e que possibilita a existência de desvios, de eventos não programados. Assim ele constrói sua liberdade: as técnicas e os materiais utilizados são pontos de apoio, marcadores que orientam a performance, mas é o acaso que define o roteiro. Quer dizer: no corpo de um acontecimento mutante como a performance, que se liga a cada vez a circunstâncias diferentes (tipo de espaço físico, temperatura do ambiente, resposta do público, disposição do artista), existe o reforço de uma forma particular, da individualização de uma forma, como nos ensinou Paul Zumthor, o poeta suíço estudioso das poéticas da voz. A essa individuação somam-se os procedimentos técnicos vocais do poeta ao falar seus poemas: alternância de volume vocal, polarizando gritos e sussurros, segmentação radical das palavras, numa espécie de paralelo vocal da fragmentação escrita dos versos ou o “simples” entoar de um poema.

E isso tudo ganha vigor pela riqueza dos textos, pela força de sua palavra escrita em excelentes poemas como Paupéria revisitada, que nos lembra Torquato Neto, ou a lira maldizente de Anti-ode Belorizonte, que evoca Gregório de Matos, ou ainda sua versão do manifesto ciborgue de Donna Haraway. Na linha de Oxum e John Cage, som, imagem e dança do intelecto em conjunto, Ricardo Aleixo nos traz a alegria da liberdade de sentir enquanto pensamos & pensar enquanto sentimos.



(matéria publicada no Caderno B da Gazeta de Alagoas em 13 de abril de 2008)


Obs: A imagem acima é parte de uma foto-performance-corpografia de Ricardo Aleixo e integra a mostra Poiesis > poema entre pixel e programa, que esteve em cartaz no Rio de Janeiro, na Oi Futuro, em novembro/dezembro de 2007.



12.4.08

qu'est-ce qui ne changera jamais ?


(Ezra Pound, por Henri Cartier-Bresson, em 1971)


Contam que Bresson, que queria ser pintor,

inventou o fotojornalismo,

e terminou desenhando,

passou mais de uma hora ajoelhado

diante do poeta,

observando.


Poucos clicks depois,

raros movimentos dos dois,

esta foto.

10.4.08

vida de artista


Os desenhos de Pedro Lucena são imagens de delicadeza e força ao mesmo tempo. Ele conta que sua formação autodidata como desenhista está ligada a seu interesse por música e literatura. Ainda bem que os trabalhos dele estão disponíveis em sua galeria

p.s: muito estranho o fotolog ter banido a página do Pedro por causa de um desenho gracioso de duas meninas no sofá... quer ver? visite a galeria dele!

7.4.08

VERBETE

Distrair

é fazer ir

para diferentes

lados

separar

dividir

a força dos inimigos

Sua pontaria falha

Desatenta

Desencaminhada

Um desvio

Um ruído

Um ardil

Pensamento afastado

Ocupação prazerosa

Pronominal diversão

rasgas

partes

retalho

fragmento

: dissolução

6.4.08

Margens na Confraria


Arte e literatura: para ser forte feito um jabuti, sempre.

Uma beleza a revista eletrônica CONFRARIA, que traz em seu número 19 o trabalho acima, de Waltércio Caldas.

Vale conferir os ensaios, poemas, work in progresss e a "trilha sonora" Margens, de Ricardo Aleixo, soundscape construído a partir de poema extraído de seu Trívio:

pálpebras
orlam

paisagens
fazem

dançar
cabeças

de
alfinetes

movem
-se

duas
margens