24.9.14


Autorretrato ante o espelho quebrado










Octavian Paler (1926-2007)


[Autoportret într-o oglindǎ spartǎ]


Quando finalmente seriam os sonhos mais tangíveis, dei-me conta: também as paixões envelhecem. Não sou capaz de assegurar minhas próprias vontades. Não me faltaram, decerto, metas falsas e entusiasmos pueris. Jamais minha imaginação concebeu um mundo sem ti. Ainda que não assumas o comum e paranóico orgulho de imaginar-te ao centro do mundo, algo sempre duro de admitir, faltou-te inteligência ou capacidade para aceitar que ninguém ensina o que quer que seja, exceto retratos amarelados, velhas fotos lançadas à lixeira tão logo partas. Aos outros, somos marionetes bufas, personagens melhores [ou atuantes patéticos]. Todas as certezas que já tive esvaíram-se, sem ressalva alguma. Também as alegrias passadas assumem tom melancólico na lembrança. O passado é vivo, integra o presente e o influencia na proporção do conflito diário. “Daqui a pouco” transforma-se em “mais tarde”. Comecei a perceber que, de atores em cena, tornamo-nos figurantes. E a memória revolve-se em perdão. A lembrança tem um dom estivo, dá-nos o verão como estação de destino. Hoje, sobram-me dúvidas; fito o céu apenas com a esperança de um guarda-chuva, como todos aqui em Bucareste, que, sob nenhum lirismo, admiram e respiram fumaça [quando chove, inevitavelmente pisamos em poças múltiplas]. Associando-me a outros, a atmosfera, de tão dura, não me permite integrar, e acabo sempre só. Porque busco alguma coisa [pouca coisa mas algo] e sou errante num mundo de tudo que te dánada. A humanidade tomou o lugar do próprio homem. Hoje, preciso apenas de um muro para levantar e, por não o encontrar, eis o desespero. Uma vida medíocre é justificável. A mediocridade das ilusões, todavia, é inescusável. E continuamos sonhando, mais e mais [sem limites]. Por quê? Talvez, possa-me abandonar sobre a imagem quebrada do espelho, sem o temor do pecado. Soube que há uma língua atualmente falada por um homem apenas. Como discutir? O mistério mais sutil é a banalidade. Nesse cotidiano, guardo contigo meu segredo supremo. Seria a criação do universo uma obra banal? As estrelas apontam, todas as noites, nossa morte [ou vida constelada emudecida]. Deus criou o homem e confiou ao diabo a tarefa do desfazimento. O diabo não tem limites. Seria a linguagem o extremo dessa falta?

Atentei-me demais ao detalhe, perdi o foco?
[vou reescrever]


(trad. livre joão monteiro)

(in Autoportret într-o oglindǎ spartǎ, Ed. Albatros, Bucareste, 2007)

9.9.14

















vale a pena: programa da tv holandesa, faz pensar :)

2.8.14

FORÇA














Victor Vladimirovitch Khlebnikov (1885-1922) 


TREVAS
Quando  não aguento  mais o  tédio,
Saio para o  sol  em  disparada,
Asa esvoaçando pelo  éter,
A virtude  e  o  vício  misturados.
Morro, eu  morro, o  sangue  escorre  a  cântaros
Na couraça  do  meu  corpo.
Caio em  mim – e  então,  de  novo,
Só enxergo  a  guerra  em  teu olhar.

(trad. André VALLIAS)


31.7.14

Legítima defesa

quando eu tiro uma pessoa
da minha vida
eu a tiro.

(Leila Miccolis)

16.7.14


19.6.14

suportar a vaziez como um faquir que come sua própria fome


14.6.14




VESTIDO DE PAPEL

"Vivo voando, voando, não passo de louca mansa
Cheia de tesão por dentro, se rola na face o pranto
Deixo que role e pronto, meus males eu mesma espanto"

















não, não, nenhum jogo está perdido
ainda persigo uns lances 
percebo uns transes
tramo uns passes
nessa peleja prossigo :)
em meu vestido de papel

gM 


10.6.14

Ao desconcerto do Mundo

Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado.

                  Luís de Camões

8.6.14












Pertencer


“Um amigo meu, médico, assegurou-me que desde o berço a criança sente o ambiente, a criança quer: nela o ser humano no berço mesmo já começou.
Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça.
Se no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a Deus.
Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso. Quem sabe se comecei a escrever tão cedo na vida porque, escrevendo, pele menos eu pertencia um pouco a mim mesma. O que é um fac-símile triste.
Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova de ‘solidão de não pertencer’ começou a me invadir como heras num muro.
Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso o que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertencesse. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos ― e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, então raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.
Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força ― eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.
Embora eu tenha uma alegria: pertenço, por exemplo, a meu país, e como milhões de outras pessoas sou a ele tão pertencente a ponto de ser brasileira. E eu que, muito sinceramente, jamais desejei ou desejaria a popularidade ― sou individualista demais para que eu pudesse suportar a invasão de que uma pessoa popular é vítima ―, eu, que não quero a popularidade, sinto-me no entanto feliz de pertencer à literatura brasileira. Não, não é por orgulho, nem por ambição. Sou feliz de pertencer à literatura brasileira por motivos que não têm a ver com literatura, pois nem ao menos sou uma literata ou uma intelectual. Feliz apenas por ‘fazer parte’.
Quase consigo me visualizar no berço, quase consigo reproduzir em mim a vaga e no entanto premente sensação de precisar pertencer. Por motivos que nem minha mãe nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas: nascida.
No entanto fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa carga de culpa: fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que meus pais me perdoaram por eu ter nascido em vão e tê-los traído na grande esperança. Mas eu, eu não me perdoo. Quereria que simplesmente se tivesse feito um milagre: eu nascer e curar minha mãe. Então, sim: eu teria pertencido a meu pai e a minha mãe. Eu nem podia confiar a alguém essa espécie de solidão de não pertencer porque, como desertor, eu tinha o segredo da fuga que por vergonha não podia ser conhecido.
A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho

Clarice Lispector: A descoberta do mundo (crônica publicada em 15 de junho de 1968)

28.5.14

muito boa experiência compartilhar vivências aprender fazendo com os jovens olhares vozes todos os sentidos vigorando





oficina palavra poesia corpo voz na ufpb 27 de maio 2014

23.3.14

20.3.14

9.3.14


Começar 2014 aqui no diasemprevisão 
com este video / realizado por lindas estudantes /
de Literatura Brasileira V na UFPB>>> 2013.2:
q agora termina, em pleno março: vida q segue :)