30.3.09


FOLIA DAS LETRAS

























O "Folia das Letras" é um projeto interdisciplinar, desenvolvido por um grupo de pesquisadores das áreas de Letras, Pedagogia, Música e Dança, ligados à Universidade Federal de Alagoas.

















A proposta foi apresentada e aprovada no Edital 2008 do “Programa de Extensão Universitária” (ProExt Cultura), e tem financiamento dos Ministérios da Cultura (MINC) e da Educação (MEC).




















O objetivo central do projeto é o trabalho integrado de leitura em diferentes artes, como a poesia, a música e a dança.


"Para que a leitura possa de fato contribuir para a formação de cidadãos, é necessário que ela seja uma atividade significativa, que o ato de ler seja uma prática que encante, que mobilize o sujeito", diz Eliana Kefálas Oliveira, uma das coordenadoras do projeto.

Assim, o texto literário pode ser um convite à reflexão crítica e criativa.
Encontros, oficinas e apresentações fazem parte da programação do grupo, que tem se reunido desde o final de 2008.

Coordenado pelas professoras Eliana Kefalás Oliveira e Maria de Fátima Estelita Barros, o FOLIA DAS LETRAS conta com a participação de Jorge Shutze, Vinicius Meira, Marcelo Marques, Suzane Bezerra, Susana Souto e Gláucia Machado.

24.3.09


VIDA



Cada dia mais forte, agradeço e divido a flor que recebi da Ana Cristina (não é linda?) com todos os meus queridíssimos amigos que têm escrito para mim e-mails delicados, carinhosos e me enviado presentinhos, mimos, palavras afetuosas.

Beijos!






21.3.09

"O leitor", de novo.

















Muito mais que um filme sobre o nazismo, "O leitor" é uma extraordinária reflexão sobre desejo e culpa. Fiquei tão impressionada com a história que insisti com as pessoas para assitirem ao filme de Stephen Daldry (o mesmo de "Billy Elliot" e "As horas").

Roberto Sarmento assistiu ao filme ontem e enviou para mim um e-mail muito bacana com seus comentários.

Gostei tanto do que ele escreveu que lhe pedi (e ele concordou, GRACIAS!) para publicar suas idéias aqui:

"
Pois bem, o filme é, como você disse, muito bom. A história de um mútuo aprisionamento: dele, Michael, e dela, Hanna. Ninguém se realiza amorosamente nem socialmente. Entre eles, a literatura, a escrita de um modo geral e a ampliação de visão de mundo pela cultura letrada, que, nessa história, representa ao mesmo tempo libertação e um modo, também, de aprisionamento. A ponto de, simbolicamente, os livros servirem de apoio para que a personagem se enforcasse na prisão. Lembrou-me tudo - um pouco - o clima de Angústia, de Graciliano, em que as letras não salvam, mas até pioram o estado mental de alguém já propenso à autoimolação. O refrigério da literatura de Homero - outro símbolo dessa narrativa, a capacidade simbólica da viagem do grego Ulisses, dos perigos envolvidos na viagem, sua busca do lar após todas as aventuras vividas - indicia a noção de que a arte serve mais à autocompreensão do que à própria possibilidade de evasão. Autocompreensão dura, torturante, como as cores do filme, quase todas voltadas para o cinza, a sujeira do branco, o creme empastelado. É um filme que merece ser visto em uma aula de teoria da literatura."


Tudo isso me faz lembrar um dos meus poemas favoritos, daqueles que é como se eu tivesse escrito, mas que de fato foi escrito pela minha querida Ana Caetano, que muito me seduz como leitora
(clique no título do poema se quiser a referência dele e no nome da poeta para conhecer outros poemas dela):


ESCRITURA E MORTE EM W.B.

O imperador chinês Huang Che descobriu o dom da escrita

2600 anos antes de Cristo

estudando os corpos celestes e as pegadas dos animais.
Huang Che chorou desesperadamente durante toda a noite.
Sabia que era a pior das descobertas possíveis.

O brusco horizonte poético
a palavra e suas trevas.


O poeta antecipa seu fim como quem prepara o desfecho de um épico.
Com meticulosidade. Com paciência.


Nos disse Faustino:
não morri pela mala sorte
morri de amor pela morte

e escreveu instruções precisas
ícaro sem pânico -
antes da última viagem.

Torquato não sobreviveu a Nosferatu
voou para longe das palavras
cada palavra guarda uma cilada.
Rimbaud tomou seu barco bêbado rumo ao sol
que era deserto
e era o silêncio do deserto.
Maiakóvski destruiu o coração
e o mecanismo cruel
desse difícil ofício da vida.
O amor de Safo era suicida.

Toda escrita deve ser solene
como um ato de amor
como uma cerimônia de adeus.

Nos diz Benjamim: a verdadeira crítica
põe diante de si um livro
tão amorosamente como um canibal prepara um bebê.


Viver por e para a escrita
todos os dias
todas as noites.

A obra é a máscara mortuária da concepção.
Benjamim escreveu a seu amigo Scholem em janeiro de 1928:
Há uma trilha de neve que leva para dentro do êxtase
Essa trilha é a morte
.

O cansaço de chegar aos quarenta sem títulos
sem espólio
sem pátria.


O aniquilamento da experiência do mundo.


O nazismo não inventou o mal
descobriu a banalidade do mal.
A crueldade cotidiana elevada à condição de existência
sobreviver cansa
sufoca
atrofia
escrever não alivia.


Do lado de fora do vidro há vedetes e sereias
telões coloridos e zumbis replicantes
só não há o que narrar.


Aqui de dentro as palavras se tocam
e trocam farpas num aviso radical:
ou a embriaguez ou nada
ou a dor rutilante ou a anestesia.
Escrever não alivia.


Queremos nosso herói esquartejado em praça pública
e seus versos publicados em papel bíblia
seu último desejo obedecido.


Queremos seu sangue em nossa gengiva
misturado à sopa rala de letrinhas
que tomamos frente à TV.


Os maus assassinos são criminosos da mesma laia
que os maus escritores:


mortes.............. as súbitas
versos............... os últimos








19.3.09

NA ASA DO VENTO


Muita gente desconhece essa canção , dos fabulosos João do Vale e Luiz Vieira.

Gravada pela primeira vez em 1956, por Dolores Duran, "Na asa do vento" foi regravada por Caetano Veloso, em 1975, no seu disco Jóia.

Se quiser, dê um clique aqui, ouça, faça download grátis, e cante até não caber mais em si.


Deu meia noite
a lua faz um claro
eu assubo nos aro
vou brincar no vento leste
aranha tece puxando o fio da teia
a ciência da abelha, da aranha e a minha
muita gente desconhece
muita gente desconhece ô lará viu
muita gente desconhece

Se a lua é clara
o sol tem rastro vermelho
é o mar o grande espelho onde os dois vão se mirar
rosa amarela quando murcha perde o cheiro
o amor é bandoleiro
pode até custar dinheiro
é fulô que não tem cheiro e todo mundo quer cheirar...

Todo mundo quer cheirar ô lará viu
Todo mundo quer cheirar
Todo mundo quer cheirar ô lará tá
Todo mundo quer cheirar





17.3.09

EM VOZ ALTA:






















Até onde podemos nos enganar com uma pessoa?
Que preço estamos dispostos a pagar para guardar um segredo?

TUDO EXISTE PARA VIRAR LITERATURA.

E CINEMA.


Leio.
Vou ao cinema.
Escrevo sobre filmes e livros.
Publico aqui, ali, e vouviver
minha vida.

(Ninguém é universal o tempo todo.)

PS: NÃO COMETA A INDELICADEZA DE PERDER ESSE LIVRO, NEM O FILME.

13.3.09

ODE AO MUNDO





O mundo torto, e meu esforço

por consertar

seu lado esquerdo

que essa intransparente barreira

é só uma teimosia em recolher

A outra face






imagem: paisagem azul, marc chagall

11.3.09

Guilherme Machado Meira


UM FILHO

É SABER

O AMOR

DEMAIS


Hoje meu filho mais velho completa
17 anos
- e conviver com ele tem sido motivo
das minhas maiores alegrias.

Na sua saída para a escola de manhã,
fiz a foto dele acima
para enfeitar o diasemprevisão.

Viva o Guilherme!



PS: Neste momento difícil que atravesso (até hoje eu não sabia o que era ficar doente!) Guilherme tem sido amigo e companheiro confiante... e que humor maravilhoso!


O CORPO SABE




Não é sadomasoquismo: é só um aviso de que estou paralisada, concentrada no meu corpo que pediu licença para uma trégua, um descanso, uma reflexão. Faço acunputura, fisioterapia, repouso, alimentação integral, tomo dezenas de comprimidos (nenhum tarja preta, viu?!) e vou me recuperando da tal de "Paralisia de Bell", que acomete principalmente mulheres, e que exige cuidados e atenção.

Vou ficar boa, vou ficar ainda melhor, porque com a dor também se aprende muuuuuuuito.

Aproveito para dizer que não estou podendo falar ao telefone, por motivos óbvios, e que estou afastada de toda e qualquer questão de trabalho.

Daqui a pouco passa.

SALUBA!!!!!!!!!!

8.3.09

TEMPO DE REZA!!!




Zera a Reza


de Caetano Veloso


Vela leva a seta tesa
Rema na maré
Rima mira a terça certa
E zera a reza

Zera a reza, meu amor
Canta o pagode do nosso viver
Que a gente pode entre dor e prazer
Pagar pra ver o que pode
E o que não pode ser
A pureza desse amor
Espalha espelhos pelo carnaval
E cada cara e corpo é desigual
Sabe o que é bom e o que é mau
Chão é céu
E é seu e meu
E eu sou quem não morre nunca

Vela leva a seta tesa
Rema na maré
Rima mira a terça certa
E zera a reza

3.3.09

SUSANA SOUTO

Hoje é aniversário de Susana! Para comemorar a data, nada melhor do que ler um texto que ela escreveu para uma de suas aulas admiráveis.





A LETRA E A VOZ: LEITURA DE POESIA



Susana Souto




“Se o meu verso não deu certo

foi seu ouvido que entortou” (Drummond)


Falar em oficina de poesia já é um modo de pensar a poesia. É uma forma de conceber o poema como algo material, como um objeto que se constrói em uma oficina, objeto que é, portanto, fruto do labor humano, do engenho humano, desse recurso humano para conceber o mundo e tentar aproximar-se do outro: a linguagem.

A poesia foi/é, muitas vezes, pensada como o nosso exercício mais radical com a língua, é a busca das suas máximas potencialidades, é um modo de demorar-se na observação das palavras, olhando-as de vários lugares, movendo-as, virando-as, brincando com elas, jogando com elas. É uma forma, ao mesmo tempo, lúdica e altamente sofisticada de pensar a linguagem. Diz Augusto de Campos que “poesia é risco”. Diz Pessoa que o “Poeta é um fingidor”; Bandeira, que o “Poema é a nódoa no brim”; diz Drummond que é um “claro enigma”; para Maiakóvski, é “uma viagem ao desconhecido”; para Quintana, são “pássaros que chegam, não se sabe de onde, e pousam no livro que lês”; para João Cabral, o poema é “feito de antilira, escrito em antiverso”. Há muitas formas, principalmente poéticas, de definir a poesia.

Fiquemos com esta: “A poesia é o máximo de tensão entre o som e o sentido”. Essa definição é de Paul Valéry, poeta e crítico francês, que morreu na metade do século XX. O poema, nessa definição, é concebido como algo mais próximo da música do que da escrita. É, principalmente, trabalho com o som. Assim, a poesia exige a leitura em voz alta. Torna-se relevante, no contato com o poema, não apenas a leitura silenciosa, em que os nossos olhos se movimentam e que se tornou regra desde a consagração e difusão do livro como principal suporte do texto.

O nosso corpo é convidado a participar do texto poético. Lemos em voz alta, ouvimos o poema e ouvimos também a nossa voz modificada na leitura do poema. Ao ler em voz alta, atuamos como um leitor que imprime uma voz – a sua - ao texto e diante desse texto descobrimos outras vozes em nós, ouvimos as possibilidades de nos inventarmos outros, de sermos diversos, palavra que tem o mesmo étimo de divertimento.

O som e sua tensão com o sentido fazem do texto poético um texto, em alguma medida, intraduzível. Mas intraduzível aqui não é uma condenação dos que lêem o que chamamos de tradução. Intraduzível é inseparável. Quando alteramos os sons, na tradução, alteramos também os significados, uma vez que, no poema há um esforço para torná-los indissociáveis, construindo, assim, a tensão. Podemos, então, pensar que, quando um tradutor escreve uma boa tradução não é porque ele recuperou algo conteudístico de um poema (até porque falar em forma e conteúdo no caso da lírica é impossível a partir da definição que estamos examinando, linguagem é forma), é porque ele conseguiu deixar-se surpreender pela forma do poema primeiro/lido que o levou a escrever um outro texto também maravilhoso. Penso aqui na tradução belíssima que Manuel Bandeira fez de E. E. Cummings:


it may not always be so; and i say

that if your lips, wich i have loved, should touch

another’s, and your dear strong fingers clutch

his heart, as mine in time not far away;

if on another’s face your sweet hair lay

in such a silence as i know, or such

great writhing as, uttering overmuch

stand helplessly before the spirit at bay;

if this should be, i say if this should be –

you of may heart, send me a little word;

that i may go unto him, and take his hands,

saying, Accept all hapiness from me.

Then shall i turn may face, and hear one bird

Sing terribley afar in the lost lands.


cummmings



SONETO

Não será sempre assim... Quando não for,

Quando teus lábios forem de outro; quando

No rosto de outro o teu suspiro brando

Soprar; quando em silêncio ou no maior

Delírio de palavras desvairando,

Ao teu peito o estreitares com fervor;

Quando, um dia, em frieza e desamor

Tua afeição por mim se for trocando:

Se tal acontecer, fala-me. Irei

Procurá-lo, dizer-lhe num sorriso:

“Goza a ventura de que já gozei.”

Depois, desviando os olhos de improviso,

Longe, ah, taõ longe, um pássaro ouvirei

Cantar no meu perdido paraíso.


Bandeira


E agora, ficamos com Bandeira ou com Cummings? Com os dois. Outra delícia da poesia: não precisamos eliminar nenhuma das partes em nossas escolhas. Podemos ficar com todas, com os melhores, com os que quisermos. O poema de Bandeira nos leva a Cummings, e nos leva também a pensar sobre a sonoridade da língua portuguesa, sobre a sonoridade da língua inglesa, sobre os desafios de compor imagens similares com línguas diferentes. Tradução é traição, diz o famoso ditado, porque não é possível ser fiel em um diálogo com outro texto; a fidelidade pressupõe que a língua é um código e, como tal, fechado e acabado, com elementos linearmente correspondentes em outra língua, outro código. Como algo bastante complexo, em contínua transformação e contradição, a língua não permite essa mera transposição, ela impõe a recriação, que pode transformar-se em recreação, em jogo, em divertimento, para tradutores e leitores. Aliás, podemos mesmo pensar que todo leitor é um tradutor, na medida em que transpõe, com as operações significativas de mudanças, de deslocamento, de recriação/recreação, o texto lido, que passa, assim, a ser o texto escrito.

Esse exercício de leitura/reescritura, de deslocamento do texto e também de nós é operado na poesia e nos pede tempo. O tempo de convívio com o poema é outro.

Valéry nos diz que, "... É preciso confessar que o personagem sempre apressado em acabar, que denominamos nosso espírito, tem um fraco pelas simplificações desse gênero, que lhe dão todas as facilidades para formar numerosas combinações e julgamentos, para desdobrar sua lógica e desenvolver seus recursos retóricos, para realizar, em suma, sua função de espírito da maneira mais brilhante possível" (1991:62).

António Gedeão também o disse em versos:


Suspensão Coloidal


Penso no ser poeta, e andar disperso

na voz de quem a não tem;

no pouco que há de mim em cada verso,

no muito que há de tudo e de ninguém.

Anda o cego a tocar La Violotera,

e eu a vê-lo e a cegar;

e a pobre da mulher esfregando e pondo a cera,

e eu a vê-la, e a esfregar

Que riso perto, que aflição distante,

que ínfima débil, breve coisa nada,

iça, ao fundo, esta draga carburante,

rasga, revolve e asfalta a subterrânea estrada?

Postulados e leis e lemas e teoremas,

tudo o que afirma e fura e diz sim,

teorias, doutrinas e sistemas,

tudo se escapa ao autor dos meus poemas.

A ele, e a mim.


Na leitura do poema, o nosso espírito/corpo, “esse personagem apressado”, é convidado/convocado pela sedução das palavras a demorar-se em seu convívio, a pensar a palavra em sua ambigüidade, em sua sonoridade, em sua plasticidade. Instaura-se uma relação diferente com o tempo. Saímos do ritmo da urgência, do pragmatismo, e entramos em um tempo lento, no tempo da fruição artística. Mas não como fuga do que chamamos de realidade e sim como possibilidade de ampliarmos/problematizarmos o que chamamos de realidade:

“A poesia exercita nossa imaginação e assim nos ensina a reconhecer as diferenças e a descobrir as semelhanças. O universo é um tecido vivo de afinidades e oposições. Prova vivente da fraternidade universal, cada poema é uma lição prática de harmonia e de concórdia, embora seu tema seja a cólera do herói, a solidão da jovem abandonada ou o naufrágio da consciência na água parada do espelho”. (Paz, 1993: 147)

Pensar uma estratégia de leitura para a poesia é enveredar por caminhos que se bifurcam em muitos outros. Mas tomemos um deles. O primeiro passo do leitor de poesia é estranhar, é ver como não óbvio o que é tido como óbvio: “Para ver as coisas devemos, primeiramente, olhá-las como se não tivessem nenhum sentido: como se fossem uma adivinha”, nos ensina Guinzburg.

Isso nos leva aos formalistas russos, estudiosos do início do século XX que buscaram investigar o que seria o específico literário. Eles não conseguiram definir o que havia em todos os textos ditos literários e só nesses textos, ou seja, eles não conseguiram definir o que era a “literariedade”, mas estabeleceram uma função para arte: a arte deveria provocar em seus receptores, na concepção formalista, a “desautomatização perceptiva”. Mas o que seria essa desautomatização?

As palavras, pensavam os formalistas, estão gastas, como de resto todas as coisas em nosso cotidiano. Elas, as palavras, estão reduzidas, no dia a dia, a uma função, a um uso pragmático, que restringe as suas possibilidades. Caberia, então, ao poeta, ao escritor de literatura, revitalizá-las, dar vida às palavras, recuperar o seu poder de sedução sobre os nossos sentidos, fazendo-as evocar mais do que o trânsito cotidiano de mensagens lhes pede. Como no verso de Bandeira: "fazer o leitor, satisfeito de si, dar o desespero".

Guimarães Rosa, um autor que escreveu poema em prosa - ou o contrário, se vocês preferirem - disse em uma entrevista que ele não era um revolucionário das palavras, e sim um reacionário, que o que ele gostaria era de ser lembrado como um reacionário, pois o que de fato ele queria era recuperar a força original da palavra, quando ela ainda era confundida com a coisa.

Nessa afirmação do criador de Riobaldo, podemos perceber uma visão mágica das palavras. Mas como fazer literatura - escrevendo ou lendo - sem considerar que as palavras são portas para paisagens inusitadas? Que elas, as palavras, podem nos dar mais do que até então pedimos que elas nos dessem? Como não apostar que elas são pássaros, que elas são pedras, que elas nos dizem do que sentimos, que elas arquitetam o que sonhamos, que elas, às vezes, são mais saborosas do que os sabores que descrevem? Como explicar que elas nos levam às lágrimas, ao medo, à esperança? Não há algo de mágico em encontrar, em um poema escrito há vários séculos antes de nossa leitura, aquilo que sentimos hoje?

Outro caminho em busca da poesia e de formas outras de leitura que ela instaura é a recuperação da voz. Um leitor de poesia é convidado a experimentar as palavras também na sonoridade que elas evocam, ouvir as suas reverberações. Podemos, assim, vê-las/ouvi-las de modos inusitados, surpreendentes. Um poema, não raro, é um convite à música e à dança. Podemos lê-lo em voz alta, várias vezes, até percebermos a sua musicalidade, até construirmos um ritmo que confunde a nossa voz com os sinais que riscam a página em branco.

Constituindo-se como som mais do que como letra, um texto poético nos transporta para um período em que as palavras eram principalmente faladas/ouvidas, não escritas/lidas. O olho não é suficiente para apreender a multiplicidade da palavra poética. Outros sentidos são acionados por esse texto, especialmente a audição. Leitores de poesia estão próximos da música, a menos mimética das artes, ou seja, a que nos distancia da pretensão de esgotar racionalmente o mundo. A repetição dos sons, a leitura repetida em voz alta do poema também nos salva do tempo finito, linear, também nos leva, momentaneamente, ao tempo circular, ao tempo da eternidade, a um tempo vivido pela divindade, aproximando-nos assim dos deuses e distanciando-nos do ordinário, do cotidiano.

A leitura de poesia partiria, portanto, de um cuidado com as palavras. Um debruçar-se sobre as palavras, um debruçar-se cuidadoso, sonoro, visual, atento. Desconfiado, que açula a nossa atenção, isca-a com o risco, para lembrarmos João Cabral de Melo Neto.

Este é o convite deste encontro. Um convite para que aqui possamos lidar com esse objeto simbólico, resistente a simplificações: a palavra poética. Um convite ao risco de sairmos dos lugares fixos, nos quais os sentidos parecem para sempre determinados. Ouçamos uma outra voz ainda, para lembrarmos da dúvida que a poesia instaura e para concluir esse aviso aos navegantes com um convite à navegação. Com vocês, Luís Dantas, poeta popular nordestino:

“Nem toda água é corrente,

Nem todo adoçado é mel,

Nem tudo que amarga é fel,

Nem todo dia é sol quente;

Nem todo cabra é valente,

Nem toda roda tem veio,

Nem todo matuto é feio,

Nem todo mato é floresta,

Nem todo bonito presta

Nem todo pau dá esteio.

............................................


Nem todo golpe é em cheio

Nem todos livros eu leio

Nem todo trilho é estrada

Nem toda gente me agrada

Nem todo pau dá esteio.”


Leiam, divirtam-se, surpreendam-se.




Referências bibliográficas

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982.

CUMMINGS, e. e. xix poemas. Edição bilíngüe. 2. ed. Seleção , tradução e notas de Jorge Fazenda Lourenço. Lisboa: Assírio & Alvim, 1998.

GEDEÃO, António. Poesia completa. Lisboa: Marca d’água, 1998.

MOTA, Leonardo. Cantadores: poesia e linguagem de sertão cearense.6 ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987.

PAZ, Octavio. A outra voz. Trad. Wladir Dupont. São Paulo: Siciliano, 1993.

ROSA, Guimarães. Ficção completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1995.

VALÉRY, Paul. Variedades. Org João Alexandre Barbosa. Trad. Maiza Martins de Siqueira. São Paulo, Iluminuras, 1991.