31.5.09


COMO FALAMOS,


COMO CANTAMOS,


COMO SOMOS





Alegria tropical, maravilha, maravilha, país do futebol, do samba, e Simonal fazendo o povo inteiro cantar. Quando criança, na minha casa não tinha disco do Simonal, porque não podia família metodista comprar disco de samba. Mas todos sabíamos de cor e cantávamos as canções com ele, ouvindo rádio ou diante da TV ligada, programa de auditório lotado.

Hoje eu não estou cantando, Simonal, estou triste aqui pensando na crueldade estampada na sua história. Estou com raiva do tipo de controle que nos domina, às vezes, quando somos ingênuos, desinformados ou desatentos.

Ah, meu Brasil brasileiro. Eu fui uma que parou de festejar a figura do negro charmoso e carismático que eu tanto curtia porque embarquei naquela história de dedo duro, delator, empregado da ditadura. Na tradição judaico-cristã, nenhum pecado é tão grave quanto a delação. Perdoamos Madalena, Pedro, Pilatos. Judas Iscariotes é sempre culpado.

Naqueles tempos de dicotomias políticas e estéticas, ou se estava de um lado ou de outro. Para aliviar a tensão, de tempos em tempos é preciso aplacar a culpa com o sacrifício do bode expiatório: alguém tem que servir de exemplo. As pessoas gozando na praça diante da fogueira com a carne humana queimando. Principalmente se a carne for a mais barata do mercado. Melhor ainda fritar quem provocou inveja com seu comportamento arrogante. Preto rico e famoso tem que ser bonzinho. Se fizer publicidade, faça antes caridade. Já enviou sua cota para a UNICEF hoje? Tem que dar exemplo para a civilização cristã.

Mas o que houve, afinal?

Wilson Simonal é um fractal de nossa cultura. Um paradoxo revelador. Porque errar, todo mundo erra. Então por que não houve perdão para Simonal? (É terrível assistir Paulo Moura dizer que não teve como chamar Simonal para um show por causa da pressão dos outros músicos, que não queriam tocar com ele. Mais cruel ainda é pensar no pai escondido atrás da pilastra para poder assistir aos shows dos filhos - Simoninha e Max de Castro).

DESEXISTIR: a condenação do Simonal.
Mas um grande artista vai além.
E mesmo na minha memória, no lugar dos olvidados, ele sempre cantou.

Quando eu pesquisava sobre a vida/obra de Elsie Houston (1903-1943), renovei esse mesmo sentimento. Virar tabu é danação. E o germe do preconceito está sempre na "moral". E/ou no RACISMO=chauvinismo, sectarismo, fundamentalismo, fanatismo, intransigência, xenofobia, dogmatismo, autoritarismo, injustiça.




Elsie Houston, a primeira cantora lírica negra brasileira, apresentou-se em diversos cantos do mundo, foi elogiada por Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Virgil Thompson, Villa-Lobos, entre outros. O fato de ter se suicidado aos 40 anos parece tê-la condenado ao esquecimento.
Felizmente, iniciativas como a do genial Emanoel Araújo nos devolvem Elsie a partir da edição do Negras memórias, memórias de negros.
Mais forte que a morte, ela canta ainda hoje. Se quiser ouvir sua voz, você pode clicar aqui.




AINDA BEM QUE ALGUNS ENTRE NÓS SABEM QUE A RECORDAÇÃO E A TRADIÇÃO SÃO INSTRUMENTOS E OBJETOS DE PODER.









Muito bacana o documentário de Cláudio Manoel, Calvito Leal e Micael Langer, que traz de volta a força da presença de um dos mais fabulosos cantores brasileiros.

O filme é imperdível, porque dá o que pensar.
Inclusive, fica a pergunta: aqueles que aparecem em
NINGUÉM SABE O DURO QUE DEI
fazendo tantas declarações elogiosas a Simonal, o que fizeram em favor de sua anistia?

VIVA WILSON SIMONAL!

24.5.09

DOMINGO CHUVOSO NO PARAÍSO DAS ÁGUAS

é perfeito para ouvir boas canções


21.5.09

H.O.







20.5.09

ENCONTROS DE INTERROGAÇÃO 4


O Itaú Cultural continua a ser uma das (poucas) instituições privadas no Brasil que fazem acontecer encontros relevantes para o multiverso da poesia.

Clique aqui para conferir a programação bacana, que começa amanhã e vai até sábado, com alguns personagens muito interessantes (& outros, nem tanto) de nossa letrada inteligência.
Destaque para a mesa que reunirá André Vallias, Celso Borges e Ricardo Aleixo, mediados por Gisele Beiguelman, em conversa sobre "Palavra e Imagem".

19.5.09

JOAQUIM MACHADO MEIRA













AQUELE QUE DEUS ELEVA


jota jaca juca juá
jo jojo quino quim
juazeiro:
viva!!!

Joaquim

às 9h51 de uma segunda
em que o sol vibrava
harmonioso em netuno
há 12 anos
nascia um boi de fogo
também sob o signo
de touro

no sexto dia da lua
crescente
sendo dragão
seu ascendente




17.5.09

LOBÃO INTRADUÇÃO PERFORMATIVA LOBÃO INTRADUÇÃO PERFORMATIVA VERBIVOCOVISUAL

EL DESDICHADO

Je suis le Ténébreux, - le Veuf, - l'Inconsolé,
Le Prince d'Aquitaine à la Tour abolie :
Ma seule Etoile est morte, - et mon luth constellé
Porte le Soleil noir de la Mélancolie.

Dans la nuit du Tombeau, Toi qui m'as consolé,
Rends-moi le Pausilippe et la mer d'Italie,
La fleur qui plaisait tant à mon coeur désolé,
Et la treille où le Pampre à la Rose s'allie.

Suis-je Amour ou Phébus ?... Lusignan ou Biron ?
Mon front est rouge encor du baiser de la Reine ;
J'ai rêvé dans la Grotte où nage la sirène...

Et j'ai deux fois vainqueur traversé l'Achéron :
Modulant tour à tour sur la lyre d'Orphée
Les soupirs de la Sainte et les cris de la Fée.


(Gérard de Nerval,1808-1855)



EL DESDICHADO II






Eu sou o Tenebroso, o Irmão sem irmão,
o Abandono, Inconsolado,
o Sol negro
da melancolia

Eu sou Ninguém, a Calma sem alma
que assola, atordoa e vem
No desmaio do final de
cada dia

Eu sou a Explosão, o Exu, o Anjo, o Rei
O
samba-sem-canção, o Soberano
de toda a alegria que existia

Eu sou a Contramão da contradição
Que se entrega a Qualquer
deus-novo-embrião

Pra traficar o meu futuro por um inferno mais tranquilo

Eu sou Nada e é isso que me convém
Eu sou o
sub-do-mundo e o que será
que me detém?

eu sou o Poderoso, o Bababã,
o
Bão! Eu sou o sangue,
não!Eu sou a Fome! do homem
que come na brecha da mão de quem vacila


Eu sou a Camuflagem que engana o chão
A Malandragem que resvala de mão em mão
Eu sou a Bala que voa pra sempre, sem rumo,
perdida

Eu sou a Explosão, o Exu, o Anjo, o Rei
Eu sou o Morro, o Soberano, a Alegoria
que foi a minha vida

Eu sou a Execução, a Perfuração
O Terror da próxima edição dos jornais
Que me gritam, me devassam e me silenciam.




11.5.09




A FLOR DO MANDACARU



Ali onde explode a bomba

a flor de nossa paz irradia.

Flor estranha, sem perfume

nem cor.

Flor esboço de flor:

pura imaginação, fantasia.

Rompe a haste e desabrocha

indiferente ao céu.

Floresce inteira em sua

natureza impossível.

Desentendida.

Quase um milagre nos cerca

- luxúria em pétalas.


10.5.09


"Coisas sempre novas porque imperfeitas"



Marcelo Marques

A Gato Zarolho vem se firmando, nesses quase cinco anos de existência, como um laboratório em que as referências musicais de cada integrante servem de amálgama para o som que a banda apresenta.

Não apenas a mistura de elementos musicais diversos, mas também a mobilidade constante no modo de conceber essas misturas é que tem sido o norte do grupo.

Desde os momentos iniciais, quando, por conta da sonoridade predominantemente acústica, era associada a uma idéia de regionalismo, até a fase atual, de encerramento de um ciclo em que a ambiência rock é um dos componentes mais nítidos, a Gato Zarolho privilegia um repertório pouco linear.

Isso se manifesta tanto em conjuntos de músicas que guardam significativas diferenças entre si, como no fato de uma única música, por vezes, constituir-se de ritmos e concepções de arranjo diversas. É como se procurássemos diferentes caminhos para chegar a lugares específicos. Esses lugares são: a satisfação em forma ampla, a delicadeza, a agressividade e a percepção de que, mesmo parados, estamos em andamento.

É uma parte dessa trajetória, aquela que pudemos elaborar dentro do estúdio, que apresentamos em Olho nu fitando átomo. Esse disco é a reunião de todas as nossas divisas: ao longo das onze faixas desse álbum, ficam assinaladas as sonoridades que viemos perseguindo desde que começamos.

Músicas como “Fabula Trancosi” e “João Sakura” ou mesmo a introdução de “Alasca” recordam os primeiros tempos da banda, em que, como dito, a idéia de um som mais “acústico”, com flautas e bandolins, era a tônica. Por outro lado, o final de “Farsa” ou o interlúdio de “É com você e a sorte” dizem, de modo mais explícito, da presença das guitarras e da bateria, elementos ausentes daqueles arranjos iniciais.

Se seguirmos por essa linha de raciocínio, podemos mesmo dizer que Olho nu fitando átomo é uma espécie de antologia da GZ, seguindo, praticamente em ordem cronológica, a seqüência de composição e gravação das canções. No entanto, não pretendemos traçar, da primeira à última faixa, o desenho de uma evolução: preferimos pensar mais em referências cruzadas, contaminações que se estendem de uma música à seguinte ou à distante.

De nosso primeiro repertório, consta “Trajetória”, marca da passagem e da presença de Igor Machado pela GZ. Na verdade, a atmosfera inicial das letras deve muito à pena de Igowski.

As flautas ouvidas no cd vêm (exceto em “João Sakura”) do sopro de Tiago Rodrigues, outro parceirirmão nosso que aparece em edições extraordinárias.

As guitarras distorcidas de “A Inês é morta” são de Bruno Queiroz, guitarrista Maquiavélico que por um curto período esteve conosco. Sorinófilo de talento elegante.

Marcos Antonio Dias, educador musical, regente de coral e pessoa maravilhosamente descontrolada, nos compôs o arranjo vocal do refrão de “Fabula Trancosi”. Emprestou sua voz também na gravação. Ainda nessa música aparece o arco da viola de Tércio Smith.

“Samba safado prum dia triste” é um presente de Leo Trindade (ex-líder vocalista da 32 Dentes) pra GZ. Tanto por permitir que a roubássemos quanto por tê-la gravado conosco. Um sambinha enorme.

“Farsa” e “Bossa atômica” nasceram provocadas pela poesia de Milton Rosendo, uma das vozes que têm muito a dizer hoje. "Farsa" foi roubada de seu livro Os Moinhos; "Bossa atômica" já foi quase uma encomenda.

E é nesse ponto que encontramos nossa maior e mais recente intersecção: “Bossa atômica” está eivada de algumas das soluções que praticamos em outras músicas mas, ao mesmo tempo, aponta para uma abertura nova. A mobilidade rítmica, a melodia pouco “melódica”, a travalinguagem, a polifonia gutural. Muitos fatores contribuem pra isso: a performance nos shows, os retornos de quem ouve, nossas audições e leituras e conversas, o lance vindo na hora de um ensaio e, de modo especial, nossos mais de três anos gravando no Concha Acústica, estúdio de Dácio Messias que, de “operador” de som, passou a nosso parceiro, interlocutor e amigo. Dácio está presente na lapidação dos arranjos a ponto de alguns elementos (como a montagem das vozes no final de “Bossa atômica”) serem composições principalmente suas. Afora as timbragens, os equilíbrios, o desenho que distribui os sons entre os dois ouvidos de quem ouve.

E é isso: o disco, agora, está disponível para todos (clique aqui) e o trabalho no laboratório da Gato Zarolho continua!



* O título do texto acima (versos de Festim) é uma homenagem nossa (minha e do Marcelo) a Ricardo Aleixo, artista que nos provoca e instiga com seu trabalho.