COMO CANTAMOS,
COMO SOMOS
Alegria tropical, maravilha, maravilha, país do futebol, do samba, e Simonal fazendo o povo inteiro cantar. Quando criança, na minha casa não tinha disco do Simonal, porque não podia família metodista comprar disco de samba. Mas todos sabíamos de cor e cantávamos as canções com ele, ouvindo rádio ou diante da TV ligada, programa de auditório lotado.
Hoje eu não estou cantando, Simonal, estou triste aqui pensando na crueldade estampada na sua história. Estou com raiva do tipo de controle que nos domina, às vezes, quando somos ingênuos, desinformados ou desatentos.
Ah, meu Brasil brasileiro. Eu fui uma que parou de festejar a figura do negro charmoso e carismático que eu tanto curtia porque embarquei naquela história de dedo duro, delator, empregado da ditadura. Na tradição judaico-cristã, nenhum pecado é tão grave quanto a delação. Perdoamos Madalena, Pedro, Pilatos. Judas Iscariotes é sempre culpado.
Naqueles tempos de dicotomias políticas e estéticas, ou se estava de um lado ou de outro. Para aliviar a tensão, de tempos em tempos é preciso aplacar a culpa com o sacrifício do bode expiatório: alguém tem que servir de exemplo. As pessoas gozando na praça diante da fogueira com a carne humana queimando. Principalmente se a carne for a mais barata do mercado. Melhor ainda fritar quem provocou inveja com seu comportamento arrogante. Preto rico e famoso tem que ser bonzinho. Se fizer publicidade, faça antes caridade. Já enviou sua cota para a UNICEF hoje? Tem que dar exemplo para a civilização cristã.
Mas o que houve, afinal?
Wilson Simonal é um fractal de nossa cultura. Um paradoxo revelador. Porque errar, todo mundo erra. Então por que não houve perdão para Simonal? (É terrível assistir Paulo Moura dizer que não teve como chamar Simonal para um show por causa da pressão dos outros músicos, que não queriam tocar com ele. Mais cruel ainda é pensar no pai escondido atrás da pilastra para poder assistir aos shows dos filhos - Simoninha e Max de Castro).
DESEXISTIR: a condenação do Simonal.
Mas um grande artista vai além.
E mesmo na minha memória, no lugar dos olvidados, ele sempre cantou.
Quando eu pesquisava sobre a vida/obra de Elsie Houston (1903-1943), renovei esse mesmo sentimento. Virar tabu é danação. E o germe do preconceito está sempre na "moral". E/ou no RACISMO=chauvinismo, sectarismo, fundamentalismo, fanatismo, intransigência, xenofobia, dogmatismo, autoritarismo, injustiça.

Elsie Houston, a primeira cantora lírica negra brasileira, apresentou-se em diversos cantos do mundo, foi elogiada por Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Virgil Thompson, Villa-Lobos, entre outros. O fato de ter se suicidado aos 40 anos parece tê-la condenado ao esquecimento.
Felizmente, iniciativas como a do genial Emanoel Araújo nos devolvem Elsie a partir da edição do Negras memórias, memórias de negros.
Mais forte que a morte, ela canta ainda hoje. Se quiser ouvir sua voz, você pode clicar aqui.
AINDA BEM QUE ALGUNS ENTRE NÓS SABEM QUE A RECORDAÇÃO E A TRADIÇÃO SÃO INSTRUMENTOS E OBJETOS DE PODER.

Muito bacana o documentário de Cláudio Manoel, Calvito Leal e Micael Langer, que traz de volta a força da presença de um dos mais fabulosos cantores brasileiros.
O filme é imperdível, porque dá o que pensar.
Inclusive, fica a pergunta: aqueles que aparecem em
NINGUÉM SABE O DURO QUE DEI
fazendo tantas declarações elogiosas a Simonal, o que fizeram em favor de sua anistia?
VIVA WILSON SIMONAL!